Mui preci(o)sos para os tempos em diante
Por dentro do Acervo #7 | Em um inquérito de 1723, uma preocupação importante.
Entre o fim de junho e o início de julho de 1720 a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro foi abalada por um dos momentos chave do Brasil colonial. A Revolta de Vila Rica, também chamada de Sedição de Felipe dos Santos, tem uma série de causas e um número igualmente grande de consequências para a história de Minas Gerais.
O capítulo se tornou célebre, entre outros fatores, pela condenação à morte de um dos “cabeças”, o próprio Felipe dos Santos, e pelo texto atribuído ao governador à época - Dom Pedro de Almeida Portugal e Vasconcelos, o 3º Conde de Assumar e 1º Marquês de Alorna: o Discurso histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720, no fim do qual se expendem as razões que o Excelentíssimo Senhor Conde General teve para proceder sumariamente ao castigo. Sobre o discurso e a revolta em si, trataremos em outro número da Por Dentro do Acervo, nesse momento frisemos apenas o pano de fundo.

Após a revolta foi aberta uma devassa sob comando do Ouvidor Rafael Pires Pardinho, com vistas a averiguar o acontecido em Ouro Preto e Mariana (Vila Rica e Vila de Nossa Senhora do Carmo à época, respectivamente). Entre os documentos que Pires Pardinho necessitou para sua investigação, constava o “1º Livro dos Termos deste Governo que principiou a servir em 7 de julho de 1710”.
Esse códice (posteriormente tratado como SC-06 durante a organização do Fundo Secretaria de Governo da Capitania) contém os registros de decisões tomadas em conjunto pelos governadores de Minas Gerais desde 1710. Em suas folhas encontram-se, entre outros registros, os Termos de Ereção das três primeiras Vilas mineiras em 1711 e o Termo que se fez sobre a proposta do Povo de Vila Rica na ocasião em que veio amotinado à Vila do Carmo, que trata das reivindicações dos revoltosos de 1720.

Menos solene que os dois documentos citados, também há no mesmo códice um registro feito por Pires Pardinho em 1723. Para substanciar seu inquérito, o ouvidor solicitou cópias de documentos que estavam registrados no livro e registrou, a partir do verso da folha 125, a lista de todos os registros copiados pelo escrivão que o acompanhava. Essa lista pode ser importante para se analisar as conclusões da devassa, mas ao fim do rol de itens objeto da cópia há três grandes parágrafos de destaque.





Pires Pardinho, em sua condição de Ouvidor, adverte ao Secretário de Governo da Capitania - e também ao Governador - sobre a importância de organizar os documentos, inclusive o próprio livro do qual estavam sendo copiados registros. O funcionário da Coroa alerta sobre a importância de se numerar todas as folhas dos livros usados pelo Governo da Capitania, além de se indicar sempre que novos papeis forem apensados a livros já existentes.
O texto ainda sobreavisa a respeito da necessidade de não deixarem folhas em branco “como se acham muitas neste livro”. As recomendações não eram em vão e o próprio Ouvidor explicou a razão de sê-las: “em semelhantes folhas brancas pode a malícia dos homens pelos tempos futuros arguir tramas de consequências prejudicialíssimas. Consequências que se devem
com prevenção evitar.”
O Ouvidor Pires Pardinho finaliza suas advertências mirando o futuro. Ao identificar os desgastes do códice, alerta sobre a necessidade de preservá-lo: “Este livro é dos próprios deste Governo e contém termos que hão de ser mui precisos para os tempos em diante; e ele se acha tão mal tratado, que não posso deixar de recomendar ao Secretário que por serviço de Sua Majestade, que Deus guarde, o mande reparar e consertar em forma que se possa bem conservar pelos seus sucessores ainda depois de todo escrito”. Após a sugestão enfática, encerra as observações com a ameaça de nova sindicância em caso de não manutenção do livro pelos futuros governantes.

Para saber mais
Nessa seção você pode conferir indicações de leitura que complementam o assunto.
O códice endiabrado: da sublevação nas Minas em 1720
O livro de Rodrigo Bentes Monteiro é fruto de pesquisa para obtenção do nível de Professor Titular na Universidade Federal Fluminense. Na obra, o autor analisa não apenas o Discurso, mas outros documentos que tratam do episódio e do Conde de Assumar.
O livro está disponível para consulta local no Arquivo Público Mineiro.
Impressões Rebeldes
A plataforma colaborativa Impressões Rebeldes reúne documentos, análises e estatísticas sobre revoltas, rebeliões e motins na história do Brasil nos séculos XVIII e XIX. O projeto é vinculado à Universidade Federal Fluminense, sob coordenação do professor Luciano Figueiredo.
No site é possível pesquisar por revolta, além de acessar estatísticas e planos de aula. O conteúdo do Impressões Rebeldes está disponível aqui.
Guia
Nessa seção iremos apresentar, a cada edição, um fundo ou coleção do Arquivo Público Mineiro.
Avulsos da Capitania
A coleção Avulsos da Capitania (AVC) tem origem na documentação não encadernada da Capitania de Minas Gerais referente ao século XVIII e às três primeiras décadas do século XIX. Enquanto alguns documentos foram identificados como pertencentes aos fundos Secretaria de Governo (SG) e Câmara Municipal de Ouro Preto (CMOP), os que não foram possíveis de identificar a proveniência foram inseridos nessa coleção e separados entre códices e documentos não encadernados.
A coleção Avulsos da Capitania possui 1,5 m lineares de documentos textuais encadernados (18 códices) e 2 m de documentos não encadernados (21 caixas), que abrange o período de 1693 a 1827.
É nesse fundo que se localizam, por exemplo, o Compromisso da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de Nossa Senhora do Pilar das Congonhas, a Carta particular de Bárbara Heliodora a João Rodrigues de Macedo comunicando sua satisfação por ele ter arrematado a parte dos bens sequestrados de Alvarenga Peixoto, a Breve descrição geográfica, física e política da capitania de Minas Gerais e as Notícias dos primeiros descobridores das minas de ouro na Capitania de Minas Gerais.




O inventário da coleção Avulsos da Capitania está disponível online, encadernados e não encadernados.
Até a próxima edição!
Equipe do Núcleo de Acesso à Informação e Pesquisa
Curadoria e produção: Ygor Souza.
Seção “Guia”: Izabella Flores (estagiária, sob supervisão).
Edição: Izabella Flores, Maria Sério e Ygor Souza.